
Acabei de ler uma daquelas frases geniais, que nos fazem fechar as páginas do livro, só pra meditar sobre a safada. Quando indagado sobre o porque de estar com um ar tão “meditabundo” o menino respondeu: “Não sei, talvez a umidade, que dilata o cérebro”. Percebem a genialidade disso ? Em uma fração de segundos já me veio um punhado de pensamentos efervescentes fazendo conexões meio descabidas e perdidas, mas que logo foram cabendo e se achando.
Pra quem não sabe, moro em Pelotas, que além de ser conhecida no resto do Brasil por ser o lar de muitos e muitos homossexuais (fato que imagino estar equivocado, mas que no final das contas não importa), é famosa (entre poucos) por mais duas coisas: os doces de excelente qualidade, e a terrível umidade do ar. Como já devem ter percebido, o fato importante para este texto não são os doces. Pelotas não é apenas uma cidade muito úmida, é a segunda mais úmida do mundo, perdendo apenas para Londres com sua “Bruma Londrina” (impossível não ver a silhueta negra de Jack, O estripador por entre os vapores); por algum motivo meio besta, sempre me orgulhei de nossa colocação no pódio das cidades úmidas... como posso explicar ? A umidade sempre me pareceu algo romântico, teatral... vocês podem dizer que isso faz parte da fantasia de terceiro mundo dos gaúchos, que adoram fingir que são europeus... mas minha visão é de outro ponto.
O Rio Grande do Sul sempre me pareceu um estado de histórias, povoado por pessoas que adoram contar histórias, e, gaúchos ou não, os contadores de histórias sempre foram meu tipo favorito de pessoas. Agora noto que talvez o segredo dessa propensão dos sulistas pela arte de contar histórias, tenha algum laço estreito com a umidade.
Porque, vejam, foi como disse o menino: “ umidade, que dilata o cérebro”; nossos cérebros são mais expansivos, mais etéreos, com espaço de sobra para as histórias se fixarem, ou brotarem. Me compreendem ? Um cérebro “dilatado” é terreno mais que fértil para a invenção. Que outra explicações teria-mos para tantos fenômenos fantásticos, quase patológicos de “imaginação inventiva aguda”, como, Moacyr Scliar, Érico Veríssimo, Caio Fernando Abreu, Dalton Trevisan e os mais que geniais Kraunus Sang e o Maestro Pletskaya ?
Minha intenção não é ser regionalista, apenas quero falar sobre a região onde vivo, por mais “sinônimoso” que seja.
Já a dias vinha sendo assombrado com uma frase que li no texto de um talentoso quadrinista conterrâneo (chamado Odyr), que citando outro de nossos conterrâneos escreveu: “Voltasse muito a Pelotas”, fiquei mastigando esta frase de terceira mão por horas. E constatei que assim é! Tenho planos de sair daqui, ir pra outra cidade, mas já planejo a volta, enquanto ouço histórias de tantos outros que anseiam voltar pra nossa anêmica Princesa do Sul.
Coincidentemente ou não, a primeira (e mais genial) obra que li do Odyr, foi um livreto com seus rascunhos e conceitos sobre um projeto que nunca saiu das pranchetas, ao menos não da forma que devia. Era uma revistas sem grampos, preta e branca intitulada “Cidade da Névoa”, onde o leitor era era apresentado a uma cidade fora do tempo e do espaço, onde gárgulas confundiam os turistas pelas vielas na noite, e balões e zepelins coloriam o céu, extinguindo o trânsito cinza e enervante dos automóveis, um lugar onde personagens sem rosto nem passado entrechocavam-se em histórias repletas de simbolismo e ao mesmo tempo, cheias de simplicidade. Não vou me estender na descrição da cidade, basta dizer que ler as poucas páginas daquela revista bastou para me tornar um admirador inconseqüente não só da Cidade, mas também de seu criador.
E nos deparamos mais uma vez com a névoa ligada intimamente com a imaginação.
Falei antes dos contadores de histórias, um grupo de pessoas no qual me incluo, e só agora me dei por conta de que uns de meus métodos favoritos para buscar inspiração, é fumar no páteo dos fundos da minha casa. Sempre pensei que fosse a nicotina e o silêncio que ajudassem meu cérebro a funcionar melhor, mas agora me descubro enganado, era a umidade, o “sereno” da madrugada que punham meus neurônios no lugar.
Por fim, como toda vez em que começo a escrever/falar sem alguém para por uma de força na minha boca, acabo sem saber oque dizer... A única coisa que sei é que me sinto como dono de um segredo fantástico: a umidade dilata o cérebro!!