Eu sempre gostei muito de viajar. Quando sai da casa dos meus pais, eu simplesmente coloquei o pé na estrada e tem sido assim desde então. Faço pequenos trabalhos nas cidades que paro quando preciso de grana. Não posso reclamar de nada, eu amo essa vida que escolhi.
Numa dessas minhas andanças acabei em um vilarejo, onde tudo era muito rústico e as pessoas muito humildes, simples e de bom coração, que recebem com cordialidade seus visitantes. São do tipo de gente que sempre tem uma história para contar.
Assim que cheguei, hospedei-me na única pensão que tinha lá. Um lugar até simpático, apesar de estar um tanto sofrido com o efeito do tempo. Coloquei minhas coisas no quarto e sai para dar uma volta. Logo, conheci dois senhores bem faladores, como se esperassem apenas um forasteiro como eu para contar suas histórias.
Um deles, bem mais falador que o outro, contou-me tudo o que uma pessoa deveria saber sobre aquele lugar, até poderia ser guia turístico dali, se é mais alguém além de mim arriscava por aquelas bandas...
Uma das histórias contadas intrigou-me de verdade. Sabia que era apenas uma velha lenda contada por um morador de um lugar antigo, mas ainda assim, o medo era eminente nos olhos de ambos os senhores, tanto no que me contava, quanto no outro que vez ou outra insistia que aquilo não era uma boa história a ser contada.
A história falava sobre um vampiro que supostamente existe ali. É um vampiro diferente dos convencionais, ele não se alimenta de sangue, e sim da vontade de viver de cada pessoa. Ele não mata suas vítimas, depois de tirar a vontade de viver, a pessoa acaba se matando posteriormente, não precisa matar ninguém e nem pode, ele não pode “sugar” a morte, por isso precisa deixar suas vitimas vivas. Tem algumas semelhanças com os vampiros tradicionais, como a crueldade e a frieza na sua forma de agir. Ele também nunca se mostra na luz do dia. Mas as semelhanças acabam aí... Bala de prata, alho, ou qualquer outro objeto sagrado... Nada disso o atinge. Só o que pode matá-lo, é a falta de alimento. Nesse caso, sem a vontade de viver que tira das pessoas, ele acabaria se matando como suas vítimas.
Terminei de ouvir aquela história me sai com a desculpa de estar cansado e querer deitar um pouco, quando na verdade eu queria mesmo era começar a escrever. Sempre ando com um caderno e um lápis onde costumo anotar algumas coisas que acho interessantes nessas minhas viagens. Havia certo tempo que fato nenhum ocupava lugar nessas folhas, mas essa lenda do tal vampiro merecia com certeza seu espaço no meu caderno.
Anotei tudo com o máximo de detalhes que consegui lembrar. Fui dormir naquele dia com aquela história na cabeça. No outro dia, assim que acordei, tive a impressão de ter sonhado com gritos, pedidos de socorro, foi horrível. Mas como geralmente nunca me lembro dos meus sonhos, não dei muita importância. Os dias naquela cidade não passavam se arrastavam. Mas eu até estava gostando dali. São pessoas que realmente sabem acolher muito bem seus visitantes.
Uma semana já tinha se passado desde que cheguei ali. Comecei a seguir até involuntariamente uma rotina. Acordar, tomar um banho, descer, tomar café, conversar com meus novos amigos. Passar um dia tranqüilo de marasmo, vez ou outra passear um pouco e dormir. O lugar não nos permitia mais. Mas nesse dia foi diferente, a cidade amanheceu agitada. Pessoas andando com pressa, algumas chorando, outras falando baixo entre si. Mas todos visivelmente chocados, embora não parecessem surpresos.
Arrisquei perguntar a alguém o que estava acontecendo e pela primeira vez desde que cheguei ali, fui tratado com antipatia e até certa grosseria. A menina limitou-se a me dizer: “Não é da sua conta o que acontece aqui. Vá embora se possível ainda hoje, é para o seu bem”.
Diante daquela reação, minha curiosidade ficou mais aguçada ainda, é eu sei, deveria ter ido embora, mas não conseguiria ir sem saber o que estava acontecendo.
Fui falar então com meu amigo, Sr Adolfo, o mesmo que contou várias histórias no dia da minha chegada. Ele com certa insegurança, sem saber se estava agindo de forma certa ou errada, contou-me tudo o que estava ocorrendo, o porquê daquela correria toda.
-Ele atacou novamente.
-Ele? Ele quem?
-Não se lembra da história que te contei...
-O senhor fala do Vampiro?
-É sim meu filho. A jovem moça foi atacada uma semana atrás, e hoje ela se matou com a faca de cozinha de sua mãe.
Nesse momento, lembrei-me do sonho que havia tido, lembrei dos gritos e de todo o desespero. Não seria sonho então, foi tudo real.
-Mas não pode ser possível – disse eu – um Vampiro! Sinceramente senhor Adolfo, eu não acreditei muito nessa história, e acho que deve ter alguma explicação mais plausível para o suicídio dessa menina, e até para os gritos dela uma semana atrás.
-Eu também gostaria de não acreditar. Gostaria que fosse tudo apenas uma história de um vilarejo antigo, uma simples lenda. Mas eu sei bem o que vi meu filho. E era bem real. Aquela moça estava apavorada quando a encontramos. E atrás dela veio aquela “coisa”. Talvez, procurando mais alguma vítima, não sei. Na hora que ele viu tantas pessoas juntas voltou pra mata de onde veio.
Eu sei que pode parecer insanidade minha, mas comecei a acreditar naquilo tudo e perguntei como ele é.
O senhor Adolfo me disse que não dava para saber ao certo como era o Vampiro. Ele só aparece nas horas mais escuras. Mas que de longe, parecia um homem, com toda a carne do corpo morta, cinza, com aparência podre. Anda curvado, como se não conseguisse ficar de pé com o tronco ereto. É extremamente magro e não é muito alto. As vitimas jamais falaram dele, e também nuca ninguém pergunta, seria aumentar mai uma dor que já era enorme.
O enterro da menina foi discreto, estavam presentes apenas familiares, que eram poucos e alguns moradores mais próximos da falecida. Observei tudo de longe, sabia que não seria bem recebido ali, caso me aproximasse.
Percebi que não era mais bem vindo e que minha estadia ali tinha acabado quando praticamente me expulsaram da hospedaria onde eu estava. Arrumei minha mala e pretendia ir embora ao amanhecer. Mas aquela história ainda atiçava meu interesse. Peguei meu caderno e sai para andar um pouco antes de ir dormir, quem sabe não conseguiria mais alguma informação do seu Adolfo ou de outro morador, mas as ruas estavam desertas. Não havia ninguém para conversar, andei durante mais ou menos meia hora e não vi ninguém. Até a famosa pracinha aonde todos iam a essa hora da noite estava vazia. Voltando frustrado para a pensão, fui abordado por um homem que nunca tinha visto por ali. Ele perguntou se eu queria saber mais sobre o Vampiro. Sabia que era errado, mas disse que sim e segui esse homem para que ele me contasse tudo que sabia. De repente um sono louco tomou conta de mim, eu estava andando e tentando prestar atenção no que o homem falava, mas não conseguia, o sono era imenso.
Eu apaguei e quando acordei estava aqui nesse lugar onde me encontro até agora. Acho que é uma caverna, mas já não importa mais. Ele está na minha frente, olhando-me com frieza e curiosidade a cerca de três metros de distancia. Sentado, encostado em uma pedra. Não, eu não estou falando do homem que me abordou, estou falando do Vampiro. O homem sumiu, acho que jamais saberei quem ele era. Talvez fosse o próprio Vampiro, talvez não.
Sei que deveria ter ido embora antes, sei que não deveria nunca ter saído atrás de informações que me seriam tão inúteis quando eu já não estivesse mais nesse vilarejo, sei que não deveria ter acompanhado ninguém. Assumo meus erros e as conseqüências dos meus atos. Incrivelmente esse pedaço de carne quase morta que está olhando para mim, não me desperta medo. Estou narrando minha história, enquanto ele continua me encarando com esses olhos amarelados, agradeço ao menos ter saído da pensão com meu caderno e meu lápis. Mal tenho forças pra escrever, uma fraqueza anormal tomou conta de mim, não consigo fugir. Encerro, portanto minha narrativa, ele se aproxima de mim devagar, quase se rastejando e sem desviar nem por um segundo os olhos. Não me resta mais nada a fazer... Ele está vindo e eu estou acabado.
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